• Com número limitado de doses, trabalhadores da saúde e prefeitos disputam vacina pelo Brasil

Com número limitado de doses, trabalhadores da saúde e prefeitos disputam vacina pelo Brasil

25 de janeiro de 2021 \\ Brasil

Após a euforia do começo da imunização, o número limitado de doses de vacina contra a covid-19 distribuídas pelo Brasil cria conflitos. Cidades, muitas delas vizinhas, reclamam da quantidade recebida. De outro lado, profissionais de saúde e hospitais disputam remessas e trocam acusações de favorecimento. Os órgãos de controle também questionam critérios de rateio e investigam os fura-fila – as denúncias envolvem secretários e até prefeitos.

O Ministério da Saúde estima que o 1.º lote de 6 milhões de doses da Coronavac é suficiente para as duas aplicações em 2,8 milhões de pessoas – 4% dos 68,8 milhões dos grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI). Agora, o público-alvo são profissionais de saúde, idosos em residenciais de longa permanência e indígenas. Com doses limitadas, em muitos casos a conta não fecha.

O conflito mais notório foi no Amazonas. Ministério Público, Defensoria e Tribunal de Contas questionaram divergências de dados da divisão entre municípios e cobraram a lista de vacinados. Manaus, que viu hospitais colapsarem por falta de oxigênio há onze dias, até suspendeu a vacinação de quinta-feira a sábado, 23, após denúncias de desvios e fura-fila – a Justiça questiona o motivo de a secretária municipal de Saúde, Shádia Fraxe, ter sido imunizada.

A prefeitura de Manaus não comenta a lista, mas promete um comitê de ética para apurar casos e impor sanções. A Justiça mandou vetar a 2.ª dose para quem tomou indevidamente e determinou a divulgação diária da lista de vacinados.

Tabatinga – na tríplice fronteira com Peru e Colômbia – teve de devolver 3.657 doses após o governo estadual refazer contas. Já Parintins, Coari, Autazes e Novo Airão alegam ter recebido menos que o anunciado pelo Estado, que não explicou as divergências. Segundo o governo, de 58 cidades abastecidas, 33 receberam só a 1.ª dose, por questões de armazenamento, e só Tabatinga recebeu a mais.

No sul da Bahia, as cidades de Banzaê e Euclides da Cunha receberam 1.712 e 1,1 mil doses, respectivamente. As vizinhas Ribeira do Pombal e Itapicuru levaram 343 e 130. Todas têm cerca de 50 mil moradores. Fábio Villas Boas, secretário de Saúde da Bahia, admite receber queixas. “Muitos não sabem os critérios. Às vezes, as cidades têm o mesmo número de habitantes, mas uma tem índios ou hospitais.” Do total de Banzaê e Euclides, por exemplo, 80% são para indígenas.

São José da Lapa, na Grande Belo Horizonte, também contesta. São 372 profissionais de saúde e 87 idosos em instituições de longa permanência. A cidade recebeu 97 doses, mas esperava 670. O prefeito Diego Silva (Avante) diz ter calculado prioritários na população de 25 mil. “Não encontramos lógica no total de vacinas enviadas para alguns municípios e no número menor para outros.”

Em nota, a Secretaria de Saúde de Minas informa que o rateio foi conforme “dados alimentados pelos gestores municipais” em sistemas federais e afirma ter reserva para suprir possíveis divergências.

Presidente do Conselho de Secretários de Saúde e titular do Maranhão, Carlos Lula também vê insistência de prefeitos. “Ligam, mandam e-mail, mensagem de WhatsApp e até sinal de fumaça. Perdemos um bom tempo para conversar e acalmá-los. A pressão vai ser até conseguirmos imunizar todos”, diz ele, sem citar os insatisfeitos. Nos próximos dias, devem ser distribuídas mais 4,1 milhões de doses da Coronavac, além de dois milhões da vacina de Oxford, trazidas da Índia.

A vacina também opõe colegas da saúde. Com o 1.º lote, só há o suficiente para imunizar 34% dos trabalhadores da área. A orientação é priorizar os da linha de frente contra a covid-19, mas há denúncias de desrespeito aos critérios ou assimetrias entre unidades de saúde da mesma região.

Como o Estadão revelou, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo reclamou que profissionais do Hospital das Clínicas foram mais vacinados que equipes da linha de frente das redes paulistana e privada. O Estado disse que a estratégia leva em conta a limitação de doses e que os imunizados no HC têm contato com infectados. O Ministério Público pediu esclarecimentos sobre o caso.

Na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Perus, zona norte paulistana, a insatisfação entre as equipes de saúde é grande. Profissionais que atuam na área farmacêutica e de higiene não serão vacinados, sob justificativa de que não atuam na linha de frente. “O paciente que vai à UBS passa no médico, faz exame de PCR e passa na farmácia para pegar medicamentos para controlar os sintomas”, diz uma funcionária, que prefere não se identificar. “Outros profissionais que estão tendo as vacinas negadas são os da equipe de higiene que lidam o tempo todo com lixo contaminado das coletas de PCR e dos EPIs dos profissionais de saúde”, completa.

A Prefeitura de São Paulo informa que, para as UBS, neste primeiro momento, foram priorizados os profissionais que fazem atendimentos a pacientes suspeitos e confirmados para covid-19. Os critérios para definição dos profissionais prioritários de Saúde, segundo a gestão, foram orientados pelo Plano Nacional de Imunização.

O Sindicato dos Médicos de São Paulo defende incluir todos os profissionais de saúde que lidam com o público. “Com o aumento dos casos, não existe paciente pouco suspeito de ter o vírus. Quem tem 30 ou 40 pacientes por dia é um profissional com grande risco de contaminação”, diz Augusto Ribeiro, diretor da entidade. Até 23 de janeiro, diz a Prefeitura, foram aplicadas na cidade 55.732 doses – 43.841 em profissionais da Saúde. Sobre os hospitais municipais, foram repassadas 18.883 doses nesta 1ª etapa para contemplar equipes da linha de frente (UTI, enfermaria e PS para sintomáticos respiratórios).

Em Manaus, a Justiça obrigou a prefeitura a informar por que o Pronto Socorro 28 de Agosto, referência em atendimento à covid, diz ter recebido só 623 doses, de 3 mil pedidas. Na planilha enviada pelo município à juíza, consta total de 1.411. A gestão não disse ao Estadão o motivo da discrepância.

Enfermeira do 28 de Agosto, Jacqueline Mello já foi imunizada e defende incluir equipes de limpeza, maqueiros e porteiros na lista para receber doses. “Todos correm risco, entram em contato com pacientes.”

Mário Vianna, do Sindicato dos Médicos amazonense, diz haver denúncias de prioridade ao “staff dos hospitais em detrimento de quem é da linha de frente”. O Ministério da Saúde enviou ofício semana passada a secretários estaduais e municipais, em que defende o cumprimento das diretrizes nacionais.

Em Porto Alegre, trabalhadores da saúde do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul até restringiram o atendimento na quinta-feira, em protesto pelo adiamento da vacinação das equipes, que seria naquele dia e foi remanejado para esta segunda-feira, 25. A prefeitura da capital gaúcha diz que a imunização nesta segunda segue o cronograma original.

Estadão Conteúdo

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