Terapia em Foco

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Daniella Sinotti
  • Sonhos com cobras e serpentes, um convite para o despertar

Sonhos com cobras e serpentes, um convite para o despertar

11 de agosto de 2017 \\ Terapia em Foco

Serpentes e cobras, quando surgem em sonhos, costumam ser uma provocação. São imagens reveladoras da integração entre o consciente e o inconsciente, parte das manifestações de arquétipos da psique. Refletem a alma humana, povoada por metáforas que podem remeter a questões relacionadas a vivências internas e seus aspectos mais diversos.

Símbolos que surgem em sonhos não devem ser decifrados apenas como verbetes de um dicionário. Ainda que elementos arquetípicos como cobras e serpentes apresentem algo relacionado a uma necessidade de mudança de estilo de vida e revisão de valores, uma leitura psicoterapêutica precisa ter como base os aspectos individuais. É preciso levar em conta a rotina e as queixas de cada pessoa. Além disso, o sentimento em relação ao sonho é bastante revelador. Trabalhar esses conteúdos exige sensibilidade, além do conhecimento teórico.

Sonhos com serpentes e cobras intrigam ou amedrontam, instigam a curiosidade sobre a revelação de algo que diz respeito à essência da psique ou questões dos dramas de vida e até do cotidiano. Há aspectos simbólicos desses animais enquanto representação da energia de vida, da libido, ou até mesmo de um plano de ascensão e dinamismo mental superior relacionado a algum tipo de iluminação.

Serpentes povoam os mitos e lendas de diversas culturas em todo o mundo, guardam correlação com a dualidade, a morte, a destruição, ao mesmo tempo a cura e renovação. Na Mesopotâmia, 2000 a.C., a grande deusa serpente Ningishzida era reverenciada. Sua imagem deu origem ao símbolo do caduceu de Hermes e do Canal de Kundalini no bastão de Esculápio. Essas imagens relacionadas aos símbolos de diversas profissões nasceram sob a égide dessa divindade.

Distante da Mesopotâmia, os astecas adoravam uma deusa mãe chamada Coatlicue, divindade da vida e da morte, figura mitológica que vestia uma saia de serpentes. Cobras saíam de seus braços, pernas e cabeça. Venerada como a deusa do fogo e da fertilidade, do renascimento, padroeira dos partos, da guerra, do governo e da agricultura, ela viveu o peso da traição por parte dos próprios filhos que tentam matá-la, grávida. Ela resiste e então dá à luz um filho que nasce adulto, um grande guerreiro. Esse simbolismo remete à importância da tragédia enquanto força que renova e impulsiona.

O médico psiquiatra italiano Franco Basaglia (1924 – 1980), no livro ‘A Instituição Negada’ (1968), traz uma fábula oriental sobre a história de um homem que engoliu uma serpente. Alojada no estômago, ela passou a impor a ele sua vontade. Privado de liberdade, ele já não se pertencia. Um dia a serpente o deixa e ele então percebe que não sabe o que fazer com a liberdade. Enquanto se submetia à vontade dela, havia perdido sua capacidade de desejar, de seguir seus impulsos. A saída da serpente deu a ele o vazio. Ele agora precisava se recompor junto com sua nova essência. Basaglia utilizou essa fábula como fundamento para impor sua importante jornada de luta pela reforma psiquiátrica e o fim dos manicômios.

Lucy Penna, autora do livro ‘Dance e Recrie o Mundo’, fez um ensaio sobre o significado da serpente enquanto símbolo da vida e da regeneração, manifestação do inconsciente e tendências contemporâneas de homens e mulheres. Para ela, “quando uma pessoa chegar a compreender melhor os seus ritmos de dormir e comer, suas necessidades de lazer, seus ritmos no relacionamento amoroso, ela estará em contato com a serpente interior”.



Texto escrito por Daniella Sinotti, Terapeuta Transpessoal Sistêmica e Jornalista.