Terapia em Foco

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Daniella Sinotti
  • Ísis e os novos padrões de comportamentos de homens e mulheres

Ísis e os novos padrões de comportamentos de homens e mulheres

27 de julho de 2017 \\ Terapia em Foco

Os relatos e desabafos de mães, solteiras ou não, diante do cansaço e da ausência paterna na vida e no cotidiano dos filhos têm sido cada vez mais constantes nos espaços virtuais. Ser mãe e exercer tarefas que poderiam caber aos pais gera sobrecarga e angústia. A imagem da mãe rainha do lar, uma quase escrava, resquício da mãe dolorosa e sofredora, legado da cultura cristã patriarcal, ainda molda os parâmetros da condição de mãe nos dias atuais. 
Por outro lado, um assunto que tem ganhado memes e polêmicas, diz respeito à necessidade de novos parâmetros para o comportamento masculino e à expectativa das mulheres. Nas redes sociais, é crescente a admiração ao apresentador de programa culinário e ator Rodrigo Hilbert, marido da apresentadora Fernanda Lima. Ele costuma expor suas habilidades na cozinha e em afazeres domésticos variados.
Mães solteiras e homens habilidosos em afazeres domésticos sempre existiram. A novidade está em discutir mais abertamente as angústias geradas a partir da expectativa de mulheres e homens quando assumem papeis que fogem do que foi estabelecido como convencional. Apesar da liberdade para assumir esses novos papeis, continuamos presos a uma mentalidade que impõe expectativas limitantes e a falta de equilíbrio nas relações.
Em entrevista a um portal de notícias, Hilbert desconstruiu o rótulo que ganhou na internet de “homão da porra”. Segundo ele, tarefas como cuidar dos filhos, construir casa na árvore, cozinhar, fazer ioga e crochê foram habilidades aprendidas com a mãe, avó e tias, numa família onde predominou o mundo feminino, sem homens machistas. A psicoterapia sistêmica de Bert Hellinger defende que costuma haver uma honra estabelecida pelos filhos em relação aos comportamentos dos pais, sejam eles bons ou ruins.
Sobre o crescente descontentamento das mulheres que assumem tarefas demais, sem auxílio dos pais, é preciso lembrar que o arquétipo da mãe sofredora, presente em diversas culturas, tem sido evidenciado ao longo dos séculos, sobretudo pela sociedade patriarcal cristã. A analista suíça Toni Wolff, colaboradora de Carl Jung, ainda na década de 1950, abordou as formas estruturais da psique feminina e as chagas das mulheres contemporâneas que assumem a direção da família e da realização profissional e pessoal. Ainda que a frustração divulgada em posts nas redes sociais seja novidade, essa é uma questão antiga.
Trago como reflexão sobre esse assunto, o estudo do mito egípcio de Ísis, deusa mãe e do amor, mulher de Osíris, que foi morto e despedaçado pelo irmão, Seth. A deusa, que havia conhecido a felicidade perfeita, resolveu procurar o seu marido, a fim de lhe restituir o sopro da vida. Osíris foi trazido de volta por meio da magia e das artes da cura, com seus pedaços juntados, exceto o pênis, que foi substituído por um membro de ouro. Na era cristã, muitos templos da deusa Ísis foram transformados em igrejas e tiveram sua imagem substituída por Maria com o menino Jesus, a Mater Dolorosa.
Ao repensar o mito de Ísis, percebemos que sua imagem de mulher que busca resgatar e reconstituir a integralidade dos aspectos femininos e masculinos foi suprimida pela mãe dolorosa e sofredora. Ainda carregamos o peso do obscurantismo. Ao resgatar Ísis, deixamos de lado a mãe dolorosa e passamos a juntar os pedaços daquilo que entendemos como o papel masculino. Ao oferecermos cuidados maternais, não podemos esquecer de nossas necessidades, deixando espaço para que se instale a falta de equilíbrio entre o dar e o receber, princípio básico para a saúde das relações.

Texto escrito por Daniella Sinotti, Terapeuta Transpessoal Sistêmica e Jornalista