“Herança maldita”

06 de agosto de 2013 \\ Jorge Amorim

Calma, caro leitor ou cara leitora, que não tem relação alguma a uma análise pós-passagem do papa Francisco pelo Brasil na penúltima semana de julho.
 
Quando políticos, economistas e cientistas políticos, principalmente os que eramligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), taxaram a década de 1980 como a “década perdida” foi por terem chegado à conclusões – cada qual segundo suas teorias – concordaram entre si sobre as “perdas” econômicas, sociais, políticas e educacionais daquele decênio da transição “redemocratizadora”.
 
Pouco tempo depois de ter sido empossada como a primeira presidenta do Brasil, Dilma Rousseff (2011-2014) começou a ser torpedeada com críticas vindas de políticos e lideranças oposicionistas nas quais diziam que ela havia recebido uma “herança maldita” do seu antecessor, principal cabo eleitoral e criador da sua campanha, o Lula, presidente do Brasil entre 2003 e 2010, que para chegar ao cargo criou alianças com lideranças políticas responsáveis, na maioria, por aquela “década perdida” que ele e outros petistas se vangloriavam por denegrir repetidamente.
 
Mas que “herança maldita” é esta que intitulamos na nossa coluna e que o caro leitor ou a cara leitora deve estar curioso ou curiosa? Vamos explicar isto iniciando com duas expressões ditas nos dias 17 e 18 de julho deste ano em que a seleção brasileira sagrou-se campeã da copa das confederações após vencer a considerada seleção imbatível, a da
Espanha, pela mídia brasileira como se esta tivesse a intenção de dizer – e disse – que o “gigante acordou”.
 
Uma semana antes de o papa Francisco desembarcar no aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim, localizado na Ilha do Governador, na capital do Rio de Janeiro, o ministro da Secretaria-Geral da República da presidenta, Gilberto Carvalho, os olhos e os ouvidos do ex-presidente Lula, declarou no dia 17 de julho em referência às manifestações que poderiam ocorrer durante a passagem de sua santidade que este “iria compreender”, pois aquelas “fazem parte do processo democrático” brasileiro.
 
No dia seguinte, o presidente da FIFA Joseph Blatter falou para o jornal alemão DPA que “a entidade pode ter errado na escolha do Brasil como anfitrião da Copa” pelo fato de haver a possibilidade, mesmo remota, de os Movimentos Passe Livre continuar a incomodar os políticos conservadores do Brasil em 2014. Apesar de ter tentado reparar a sua declaração com um “mea culpa”, o recado de Blatter doi dado no auge da sua posição. 
 
A “ilha da fantasia” chamada Brasil se preocupa em dar um jeitinho para tudo: um “jeitinho” de abrir certas arenas de futebol sem ter reais condições; um “jeitinho” de aprovar pedidos das mobilizações Passe Livre para fingir estar aceitando suas reivindicações; um “jeitinho” de demonstrar uma estrutura dispendiosa para receber o chefe do Estado do Vaticano, o papa Francisco, tentando arremedar países desenvolvidos, porém sem a competência destes; dar um “jeitinho” de expressar humildade depois do “conselho” indireto do pontífice; e dar um “jeitinho” de expressar o “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, sem que a expressividade externamente emotiva provenha das entranhas realmente racionais – solicitamos à você que quando tiver um tempinho tente ler o capítulo “O homem cordial”, da obra de Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”, e compreenderá o que dizemos com isto.
 
Quer dizer, enquanto o conservador metido a progressista Gilberto Carvalho deflagrou uma ideia de “modernidade” inexistente em parte da mentalidade nossa, agindo como caixa de ressonância da hipócrita classe política e de muita gente, o “monsieur” Blatter tratou de dar um “conselho-alerta-ordem” para as autoridades e, quem sabe, para a maioria da população, embora saibamos que o presidente da FIFA não tenha a empatia de muita gente. A “herança maldita” não é somente a debilidade econômica deixada por Lula, mas também a mentalidade atrasada de muitos de nós brasileiros.
 
P.S.: acenando para os presentes que se esprimiam nas ruas, avenidas e locais das missas da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o papa Francisco reforçou a ideia de que “é pop” e a daracionalização no uso da coisa pública.
 
Jorge Amorim
 
Licenciado em história pela Universidade do Estado da Bahia, campus Santo Antonio de Jesus, e mestre em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, Portugal. É autor do livro “Entre a Serra e a Vargem: estudo da história e das culturas de Varzedo nos séculos XIX e XX”, além de atualmente ser professor da Faculdade de Ciências Educacionais. E-mail: [email protected].