“Luz amarela” acesa para o Brasil
Passada a anestesiante empolgação de parcela da torcida brasileira pela vitória da seleção de futebol na copa das confederações 2013, fantástico teatro do “panem et circenses” (“pão e espetáculos” em latim) chefiado pela FIFA sob o aval do atual governo federal em obediência ao chefe anterior, a atmosfera que impera ainda hoje é a de certo dilema: de um lado, a aceitação de muitos brasileiros à Manifestações Passe Livre; do outro, a ideia futebolística de que “o campeão voltou”.
Preocupada em caracterizar a diferença entre os manifestantes, separando com destaque aqueles que são “pacíficos e tranquilos” (metáfora do “trigo”) dos que perturbam a ordem pública e que são denominados de “vândalos, arruaceiros, manifestantes violentos ou exaltados” (metáfora do “joio”), os veículos de comunicação do Brasil tratam de informar – “orientar” ou “impor”? – os telespectadores da inseparável natureza ordeira, alegre, serena e limitada do brasileiro conhecida pelo mundo, ilustrando isto nas imagens de jovens estudantes carregando cartazes com frases de efeito grafando prostestos do tipo “QUEREMOS HOSPITAIS PADRÃO ‘FIFA’”.
Tudo bem que estas e outras representem a indignação de boa parte de nós, população brasileira, com relação a depredação das autoridades políticas a saúde, a educação e a segurança públicas, assim como ao transporte em geral (rodoviário, ferroviário, aéreo, fluvial e marítimo). Muitos já disseram – inclusive este colunista – da emocionante politização observada nas passeatas espalhadas sobre as ruas e avenidas das cidades e capitais, mas eis que o Partido dos Trabalhadores (PT) iniciou o processo de aproveitamento da situação para tratar da “reforma política”.
A defesa da proposta de um plebiscito – ou consulta popular – em breve para saber sobre o que os votantes acham, por exemplo, do financiamento público de campanha e do voto distrital (aquele sistema de votação para candidatos a deputado estadual e federal em uma mesma região de um Estado) é o discurso petista para “reestruturar” a política nossa de cada dia, mas a proposta guarda nas suas entranhas a intenção de o atual governo federal atribuir os problemas aos governos estaduais e municipais para que ele seja visto como a “única solução” para o Brasil.
Aí é que acende a “luz amarela” que indica, é claro, “atenção”.
O escritor inglês George Orwell (1903-1950) diz em seu clássico livro “1984” que um “Partido” no poder está preocupado “com a perpetuação de si mesmo” no poder. No caso brasileiro, como os partidos não são benquistos pela maior parte dos eleitores, mas sim seus líderes, o PT utiliza-se da sua sigla para ocultar, de fato, a “perpetuação de si mesmo” através da centralização do poder por seu líder-mor, o Lula.
Querendo pegar carona no momento “revoltoso e espetacularizado” provocado pelas mobilizações e pela copa, o partido “lulopetista” adorou ver uma propaganda de a Sadia dizer que o mundo “passará” a saber que “Brasil” se escreve com “s”, ficando a ideia de que antes – 2013 para trás. Ou seria 2003 para trás também? – inexistia o “Brasil com s”; alegrou-se vendo a mídia enfatizar a “figura paternal” do técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari, confirmando a necessidade inconsciente em “situaçoes complicadas” –crise política, volta da inflação, manifestações – apelar sempre para o “pai” – Lula de novo? Desgraça à vista se o “campeão” das mazelas da vida “voltar”.
Se as vitórias futebolísticas da seleção contra outras “poderosas” não são mais propagandas para manipulações por parte de quem está no poder, as sensações que aquelas deixam podem se tornar as armas eficazes para o “Partido”. Hugo Chávez (1954-2013) se manteve no poder da Venezuela por catorze anos consecutivos (1999-2012) utilizando-se da Constituição venezuelana com emendas endossadas por sua base aliada no congresso. O PT – ou o “lulopetismo” – pretende mais: um “revezamento interno”. E ele conta com muitos dos milhões de dependentes do assistencialista programa Bolsa Família, com a mídia conivente, com partidos aliados e alguns “ditos” oposicionistas, todos esses protagonistas do grande teatro chamado Brasil.
P.S.: aconselhamos ao caro leitor ou a cara leitora que ouçam a música “Panis et circenses” (Caetano Veloso e Gilberto Gil) na interpretação do grupo musical Os Mutantes, Marisa Monte e outros. Além dele, que possa realizar a leitura do livro “1984”, George Orwell, citada no nosso texto. Ambas as obras abrem a mente.
Jorge Amorim
Licenciado em história pela Universidade do Estado da Bahia, campus Santo Antonio de Jesus, e mestre em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, Portugal. É autor do livro “Entre a Serra e a Vargem: estudo da história e das culturas de Varzedo nos séculos XIX e XX”, além de atualmente ser professor da Faculdade de Ciências Educacionais. E-mail: [email protected].