“Viva Saint John!”

18 de junho de 2013 \\ Jorge Amorim

Na segunda metade da décida de 1920, partiu do Recife, capital do Estado de Pernambuco, para o Brasil um texto panfletário intelectualmente escrito e assinado pelo clássico sociólogo oriundo daquela cidade que habitava um secular solar no bairro de Santo Antônio de Apipucos: era aquele estudioso das ciências sociais Gilberto Freyre (1900-1987), que na década seguinte publicara “Casa-grande & Senzala” (1933), ensaio que descreve a formação da mestiça sociedade brasileira a partir das heranças culturais dos africanos, portugueses e nativos.
 
Em 1926, o “Manifesto regionalista”dizia em uma de suas linhas próximas da conclusão que “a consciência regional e o sentido tradicional do Brasil” estavam dando “adeus” por causa do que aquele trabalho antropológico chamou de “mau cosmopolitismo” [4ª edição, Recife, 1967]. Fazendo críticas ferrenhas ao movimento da Semana de Arte Moderna de 1922, que teve Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade, dentre outros, como representantes, Gilberto Freyre considerava importante naquele período a defesa dos valores culturais regionalistas.
 
Por quê? Porque a essência do Brasil estava localizada nas regiões, ou melhor, nos lugares que constituíam as diferentes regiões brasileiras, e claro que o sociólogo pernambucano, filho de família aristocrática, “puxava a sardinha” para a região Nordeste.
 
Qual seria a reação dele se por acaso estivesse vivendo em uma época como a nossa e observasse nas festas de São João espalhadas Bahia adentro – e talvez Nordeste também – “outdoors” divulgando atrações musicais famosas acompanhadas daqueles termos ingleses?
 
Quais termos? A cara leitora ou o caro leitor que vive pelos lados de cá da Bahia deve ter prestado muitíssima atenção nos painéis de propaganda fincados à margem de rodovias estaduais e federais que aliciavam o observador com os termos: “All inclusive”, “Open bar”, “Free”, “Forró mix” e “Gold”. Sim, em determinada parte do “outdoor” uma daquelas denominações inglesas apareciam para dar um realce mais sofisticadamente estrangeiro às festas juninas. 
 
Não, não. Acreditamos estar errando ao dizermos isto, pois o mais correto é dizer que as festas juninas estão tendo um caráter mais “cosmopolita”, afinal é assim que o tradicional se une ao moderno. Moderno?
 
Que “espécie” de ouro (“Gold”) pode ser “achada” em um camarote junino? Já que para ter todo conforto nos camarotes, ao invés de “All inclusive” que mal haveria divulgar aos interessados em gastar que estaria “tudo incluso” para ficar mais claro? Como o “bar é livre”, por que não impedir que os beberrões e as beberronas fiquem confusos com o anglófilo “Open bar”? Com tanta defesa da mestiçagem brasileira, até há o “Forró mix”, melhor do que “Mistura de forró”.
 
Indagamos lá atrás qual teria sido a reação de Gilberto Freyre diante desta exaltação “caipira”. Caso ele seguisse suas ideias propagandeadas entre os anos 20 e 80 do século XX, certamente discordaria da inclusão de acepções inglesas que terminariam confundindo muita gente e levando outra quantidade a fingir que estava sabendo o significado delas.
 
Sem nenhuma defesa da língua oficial, de alguma forma de nacionalismo ou de regionalismo, comunicação completa é dotada de esclarecimento. Em breve poderemos ver um “Viva Saint John”, ou a “estrangeirização” de “São João”?
 
Jorge Amorim
Licenciado em história pela Universidade do Estado da Bahia, campus Santo Antonio de Jesus, e mestre em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, Portugal. É autor do livro “Entre a Serra e a Vargem: estudo da história e das culturas de Varzedo nos séculos XIX e XX”, além de atualmente ser professor da Faculdade de Ciências Educacionais. E-mail: [email protected].