Mulheres e a lei “Antibaixaria” na Bahia
O privilégio por ser diferente posicionou a mulher em categorias próximas do chão desde milenares épocas, mesmo que em algumas destas a intrepidez feminina desafiasse as imposições sociais e religiosas.
Relembrando da antiguidade os tão famosos berços sócio-políticos, os quais foram as pagãs cidades-Estado gregas de Estado e de Atenas e o mundo romano, e religiosos, destacando o monoteísmo hebraico que refletiu no cristianismo, o nosso ocidente enveredou pela punição do “pós-pecado original” feita por “Javé Deus” quando este, ainda lá no Éden segundo a bíblia, determinou a mulher que o homem “a dominará” (Gn 3,16).
Depois da expulsão do “condomínio de Javé Deus”, o sexo feminino foi mantido na idade média sob a pecha de “género desviante”, sendo conservado em nossa vizinha modernidade e no período coetâneo no papel subserviente do esteio familiar, embora de umas décadas para cá este quadro venha obtendo novas pinceladas pelas mãos das atitudes feministas.
Com a intenção de passar uma borracha sobre músicas de conteúdos misóginos, a deputada estadual Luiza Maia, do Partido dos Trabalhadores (PT/Ba) transferiu do seu prodigioso e indignado cérebro para o computador o Projeto de Lei nº 19.137/2011, a notoriamente conhecida lei “Antibaixaria”, para ser debatida entre seus pares da assembleia legislativa da Bahia. Qual o objetivo do projeto?
É simples. Inspirada no inciso I do artigo 282, inclusos no capítulo XIX intitulado “Dos Direitos Específicos da Mulher”, da Constituição da Bahia de 1989, a deputada quer proibir que os poderes públicos – Estado e municípios – contratem cantores e grupos musicais donos de repertórios de desrespeito a mulher, a partir daquele ato legislativo.
Apesar de conhecer o inciso IV do artigo 5º da Constituição federal de 1988, o qual reza que “é livre a manifestação do pensamento”, a legisladora estadual busca fazer com que as verbas públicas não entrem em contradição quanto ao seu uso.
Isto é, já que cabe ao Estado garantir, de acordo o inciso I do artigo 282, o impedimento “a veiculação de mensagens que atentem contra a dignidade da mulher, reforçando a discriminação sexual ou racial”, o mesmo deve vetar quaisquer patrocínios relativos a misoginia, subentendendo que tais patrocínios ficarão a cargo de outras iniciativas.
No ensaio “’Dona Flor e seus dois maridos’: um romance relacional”, apresentado no simpósio Identidade Nacional e Expressões Culturais, ocorrido nos dias 07 e 08 de maio de 1981 em Paris, França, o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta chama a atenção para o fato de que a mulher consegue “sintetizar antagonismos e conciliar opostos”, após analisar personagens fêmeas da literatura brasileira, a exemplo das do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001).
Sabendo-se que Jorge Amado “contribuiu” sutilmente para incrementar as imagens de sedutora, de subserviente e de objeto sexual atribuídas a mulher baiana, o trecho destacado acima entre aspas do ensaio do antropólogo, que fez uma investigação no seu livro “A casa & a rua” das obras amadianas em capítulo específico, retrata exatamente que existem mulheres que indignam-se ao ouvirem letras e músicas (?) que as maculam, mas também há aquelas pouco se lixando para isto.
Depois de ouvirmos “... nêga do cabelo duro...”, “... rala a tcheca no chão...”, “... vai ralando na boquinha da garrafa...”, “... esfrega a xana no asfalto...”, entre outros refrães interminavelmente sexistas, racistas e misóginos, a discussão está levantada para todos nós refletirmos.
Para a mulher, registrada em imortais obras literárias, pictóricas e lavradas em figuras esculturais, a consideração e o respeito partindo de si devem ser básicos para o equilíbrio social e para o “M” dela – “M” de MULHER – ser escrito em maiúsculo.