• Brasil inaugura o Sirius, nova fronteira da ciência

Brasil inaugura o Sirius, nova fronteira da ciência

19 de novembro de 2018 \\ Brasil

Novo acelerador de elétrons é a maior e mais complexa estrutura de pesquisa do País e será colocada à disposição de pesquisadores do Brasil e do exterior

Por fora, parece um disco voador, do tamanho do estádio do Maracanã. Visível do avião, sobrevoando Campinas, parece mesmo um estádio de futebol.

Por dentro, a sensação é de estar caminhando em outro mundo, na fronteira da tecnologia, cercado de inovação por todos os lados. E o mais incrível: quase tudo feito por aqui mesmo, projetado por cientistas brasileiros, desenvolvido por empresas nacionais e construído - a muito custo - no período de maior aperto financeiro da ciência nacional.

O Sirius, a nova fonte de luz síncrotron do Brasil, foi inaugurado oficialmente neste último dia 14 de novembro de 2018 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. Até agora, cerca de R$ 1,12 bilhão foram repassados para o projeto.

Nesta fase, foram concluídas as obras civis e o prédio que abriga a infraestrutura de pesquisa. Dois dos três aceleradores de elétrons estão concluídos. O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, explicou que o feixe de luz começou a circular na semana de 14 de novembro em fase experimental. Na próxima semana, os cientistas ocuparão as suas salas nos laboratórios e instalações de pesquisa, que serão abertos às comunidades científica e industrial. A pesquisa efetiva terá início no próximo ano.

“Já existem dezenas de projetos, de estrangeiros, inclusive, querendo usar a máquina. Experiências que nunca puderam ser feitas agora poderão acontecer no Brasil”, afirma o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, presidente do conselho de administração do CNPEM e um dos entusiastas do projeto. Cerqueira Leite é um dos principais cientistas brasileiros, reconhecido internacionalmente.


Maracanã da ciência

A obra que mais parece um estádio de futebol é um acelerador de elétrons, usado para produzir luz síncrotron. Funciona como um grande microscópio, que permite estudar praticamente qualquer material. O prédio do Sirius possui 15 metros de altura e 68 mil metros quadrados.

A máquina propriamente dita - um acelerador de elétrons com mais de 500 metros de circunferência, que produz a luz síncrotron - está em fase final de montagem, e deve entrar em operação já no segundo semestre de 2019. Com ela, cientistas poderão fazer imagens 3D de altíssima resolução e investigar a fundo a estrutura molecular de qualquer tipo de material.

Com as milhares de peças que compõem o acelerador operando com a precisão nanométrica necessária, o Sirius será uma das fontes de luz síncrotron mais poderosas do mundo.

A energia do feixe de luz pode penetrar profundamente até em materiais densos, como rochas, polímeros e metais, produzindo imagens nítidas de estruturas nas escalas atômica e molecular. O que soa complicado é, no entanto, luminoso.

Sirius é a estrela mais brilhante do céu noturno e pode ser vista de qualquer ponto na Terra. Empresta o nome a este impressionante laboratório multipropósito em estrutura física projetada para atender a padrões de estabilidade mecânica e térmica sem precedentes.

Tê-lo em progressiva operação, a partir de 2019, vai permitir diferentes pesquisas em áreas como saúde, energia e meio ambiente, engenharia de materiais e outras.

"Resiliência é o nome do jogo", disse à imprensa o físico Antônio José Roque da Silva, que pilota o projeto, em um primeiro momento como diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e agora, como diretor-geral do CNPEM.

Não foram poucos os momentos em que o projeto esteve ameaçado pela falta de recursos.

Kassab, à frente do MCTIC desde 2016, articulou no âmbito federal a priorização do projeto e assegurou a liberação de recursos junto à equipe econômica para que houvesse a entrega em novembro. 

Made in Brazil

A concepção do projeto iniciou quando ficou claro que a atual fonte de luz síncrotron do LNLS - chamada UVX, de 1997 - estava tecnologicamente defasada, apesar de funcionar muito bem e até hoje atender mais de 1 mil pesquisadores por ano. Entre outras importantes aplicações, o laboratório UVX por exemplo identificou a estrutura da proteína responsável pelo vírus da zika.

Inicialmente, o Sirius seria uma máquina de terceira geração, como tantas outras que estavam sendo construídas no mundo. Porém, um comitê recomendou que fosse feito um "upgrade", para uma máquina de quarta geração - coisa que ainda não existia no mundo. E o desafio foi aceito.

"Em vez de começar atrás, era a oportunidade de sair na frente", lembra Silva. Muitos disseram que era impossível, mas o projeto foi em frente. "Reprojetamos tudo, e o Sirius ganhou destaque mundial. Todo mundo começou a desenhar novas máquinas com base na nossa tecnologia."

É possível afirmar que o Sirius terá apenas dois competidores no mundo em sua geração - mas com diferenciais técnicos para o Brasil. Atualmente existe um laboratório da 4ª geração de luz síncrotron operando no mundo: o sueco MAX-IV. E está em processo de construção, em Grenoble, na França, o ESRF. O brasileiro Sirius é o mais sofisticado dos três.

Cerca de 85% do projeto está sendo contratado dentro do Brasil, incluindo o desenvolvimento e a fabricação das peças mais sofisticada do acelerador e das estações experimentais, chamadas de "linhas de luz".

A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) fizeram seleção pública conjunta para financiar empresas que desenvolveram componentes críticos do anel de aceleração.


Oito empresas foram selecionadas para superar desafios científicos e tecnológicos, como, por exemplo, produção de eletroímãs, detectores de raios X e espelhos de rugosidade nanométrica. 

O primeiro feixe de elétrons foi gerado em maio, no aparelho conhecido como Linac, que agora está sendo conectado ao primeiro anel de aceleração do Sirius, conhecido como Booster.

O anel principal, de onde são extraídos os feixes de luz síncrotron, está em fase inicial de montagem, com conclusão prevista para abril ou maio. Terá início, então, uma longa fase de testes, até que o Sirius possa ser aberto para uso da comunidade científica. Nessa primeira fase, estão previstas seis linhas de luz, com mais sete planejadas para 2021. Mas o prédio foi construído para abrigar até 40.

"É uma máquina que será competitiva por muitos anos", diz o diretor científico do LNLS, Harry Westfahl Junior.

Veja como funciona a fonte de luz síncrotron: 

Luz vai permitir investigar estrutura interna de materiais

A complexidade tecnológica de uma fonte de luz síncrotron como o Sirius é imensa. De uma forma geral, porém, essas máquinas podem ser pensadas como grandes microscópios, ou tomógrafos, que os cientistas utilizam para fazer imagens, enxergar a estrutura molecular e estudar as propriedades de materiais.

Pode ser uma proteína, uma célula, um osso, um grão de areia, uma planta, uma rocha, um plástico, uma liga metálica ou um fóssil. Qualquer coisa.

Além da pesquisa acadêmica, a técnica é muito usada pelas indústrias químicas, de petróleo, fármacos e cosméticos.

A física Nathaly Archilha, pesquisadora do CNPEM, por exemplo, utiliza a luz síncrotron para estudar as propriedades de rochas que formam reservatórios de petróleo e gás natural. "Entender essa estrutura é fundamental para otimizar os processos de extração do óleo", explica.

Com a luz síncrotron do UVX, já é possível enxergar a malha porosa interna das rochas, onde fica estocado o óleo – com o diâmetro de alguns fios de cabelo. Já com o Sirius, será possível fazer uma tomografia 4D dessas amostras, visualizando em tempo real, e condições reais de temperatura e pressão, como o óleo flui por dentro desses poros.

Além disso, o tamanho das amostras poderá ser muito maior, e o tempo de imageamento será muito menor. Uma imagem que leva horas para ser feita no UVX poderá ser feita em segundos no Sirius.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
Brasil.