CONTE-ME UMA HISTÓRIA QUE EU TE CONTO OUTRA

06 de outubro de 2013 \\ Milton de Britto

Caminhando em direção ao Escritório, seguindo pela Rua Barão do Rio Branco, encontro com um amigo muito querido, que não via há mais de um ano. Coisas de cidade grande. A gente nasce, cresce e mora aqui, se ausenta algumas vezes, retorna, e é como se fosse um estranho, passando por uma longa avenida de eternos desconhecidos. 
 
Tenho amigos que não encontro há mais de quarenta anos e nem sei se já desencarnaram ou se estão ainda no mundo dos vivos. 
 
Assim foi, que, do meu encontro com Dejacy, começamos a conversar e nos lembramos de alguns personagens de nossa Feira de Santana, não mais dos Olhos D’Água, mas desta cidade cosmopolita que abriga e esconde gente.  
 
Da nossa conversa surge o nome de Aristeu, e aí me lembrei da Casa OK, de Álvaro Barbosa de Carvalho, que tinha como irmão, o muito querido Cícero Carvalho, ambos do ramo de móveis e eletrodomésticos. Lembrei que ainda jovem, com meus dezesseis anos, vindo de Salvador, após deixar o Colégio Ipiranga, a minha madrasta, pretendendo que eu assumisse um emprego no comércio, matriculou-me na Escola de Datilografia João Florêncio, que ficava na Avenida Senhor dos Passos , bem em frente a Casa OK, onde eu tinha vários amigos, dentre eles, Roberto Carvalho e seus dois irmãos; Gilberto e Gilbertinho, ambos jogadores eméritos do Fluminense de Feira, e Aristeu que depois teve ligações com a fábrica de roupas Renner. Um dia, enquanto eu praticava a datilografia, fui chamado por Roberto, para dar uma passada na loja e quando lá cheguei ele colocou em uma Radiola um disco de Carlos Gonzaga, artista da nossa musica popular, de grande sucesso, esquecido pela mídia que não registra história nem conserva valores, acompanhando apenas o modismo. Era uma época de muita musicalidade. 
 
Gilberto e Gilbertinho gostavam de música e tocavam violão e cavaquinho, respectivamente. Juntos, fizemos inesquecíveis serenatas. Uma das ultimas, em uma linda noite de lua cheia, passamos pela Praça Froes da Mota e cantamos em três vozes, com dois violões e um cavaquinho a musica da época mais tocada, - “Arrivederci Roma” -
 
Arrivederci, roma...
Good bye...au revoir...
Si ritrova a pranzo a squarciarelli
Fettuccine e vino dei castelli
Come ai tempi belli che pinelli immortalò!
 
(Gravação imortalizada por Nat King Cole, Mario Lanza e uma centena de outros cantores).
 
Soube que Aristeu não está mais entre nós. Quanto aos demais, encontro de vez em quando com Roberto, que se revelou bom cantante, interpretando boleros que lembram Gregório Barrios, em momentos de lazer. A datilografia, na época, para nada serviu, porque os empregos que me arranjaram foram nas Casas Pernambucanas e em uma Loja dos Cordeiros, vendendo tecidos e roupas, o que fiz por pouco tempo, o suficiente para comprar um chapéu e uma capa para me proteger do sereno nas noites de boemia. Optei pela carreira militar e me alistei na Força Aérea Brasileira, onde fiz curso de enfermagem em Recife, de onde me desliguei para ir para a Cidade Maravilhosa.
 
A menina morena da Froes da Mota, que nos inspirava, ficou e nos encontrarmos quarenta anos depois, sem musica e sem poema, desconhecidos apenas, que se vêm e se cumprimentam. 
 
Ainda na conversa que sustentamos, nos lembramos de Asdrúbal com sua Academia de Halterofilismo, da prática do Box e do Judô que teve como praticante mais ilustre o nosso saudoso amigo Chico Pinto. Ali, tivemos muitos amigos, homens honrados que o tempo abriga por alguns segundos, se dimensionarmos a nossa vida pelo tempo que o tempo tem.
 
Lembro-me de Tarcízio do Nagé que namorou Izabel, que namorou Vicente que namorou Virginia que namorou Alberto que namorou Julia que namorou Toninho que namorou Shirley que namorou Artur que namorou Maria que namorou Izabel. Tarcízio se foi, Izabel sumiu, Vicente viajou, Virginia casou, Alberto, São Paulo levou, Julia se prostituiu, Toninho se afogou em Cabuçu, Shirley fugiu com Artur e Maria Izabelou-se sem endereço, porque não é da conta de ninguém.
 
Dejacy seguiu seu rumo, nos despedimos e eu continuei o meu caminho seguindo para o escritório de onde pretendo solucionar as lides que a sociedade propicia nas divergências criadas por pessoas que não se entendem, a justiça os acolhe e lentamente tenta dar-lhes um destino, como se falassem línguas deferentes.
 
É o meu mister, como é o de registrar histórias, para não permitir a morte da memória.
Até qualquer dia.
 
Feira, 24.09.2013.  
 

Milton de Britto