Duas cenas locais, duas reflexões nacionais

25 de setembro de 2013 \\ Jorge Amorim

Nos últimos dias10 e 11 de agosto, sábado e domingo, registramos dois episódios acontecidos, respectivamente, nos municípios de Varzedo e Santo Antônio de Jesus, Bahia, que nos fizerem lembrar as imagens que o imortal escritor florentino Dante Alighieri (1265-1321) forjou sobre o inferno, a “cidade das dores” onde se ouviam “gemidos” e “brados de dor”, na sua obra “A Divina Comédia”. Como’
 
Por razão de ambas as situações participarem – se é que participam, pois podem nem ser contabilizados – dos frios números e das tétricas estatísticas que, na verdade, simbolizam realidades decididamente merecedoras de reflexão, ainda mais quando nos defrontamos com as cenas testemunhadas naqueles dois dias.
 
Na primeira, após o sol ter ido embora para dar lugar a um crepúsculo mensageiro de uma gélida noite, voltávamos de uma aula ministrada em outra cidade quando depois de uma curva na rodovia estadual BA-026 (ligação Santo Antônio de Jesus-Amargosa), singrando parte do território varzedense, um veículo automotivo estava com o seu párabrisa amassado profundamente, jazendo sob a carroceria jogada à margem da mal sinalizada e esburacada estrada, um corpo masculino.
 
Se o caro leitor ou a cara leitora nos permita, a descrição do cadáver é inevitável. Não demonstrando a olho nenhum sinal de vida, o homem inerte vestindo bermuda e camiseta tinha o rosto avermelhado pelo sangue que se esvaía possivelmente daquela parte do corpo, enquanto a sua perna direita dobrava-se levemente deitada sobre o resto de asfalto da pista que acumulava três ou quatro curiosos preocupados em telefonar para o Serviço de Atendimento Médico Urgente, SAMU. Saíam do carro parcialmente destruído, cujo motorista fugiu do flagrante, um menino ferido na cabeça e uma mulher debulhando-se em lágrimas motivadas, é claro, por aquela atmosfera dantesca que presenciou mais uma vida que foi ceifada.
 
A outra cena ocorrida no domingo Dia dos Pais causou-nos um misto de temor, indignação e cautela. Depois de um almoço realizado em família em um restaurante na cidade de Santo Antônio de Jesus, localizado na praça Renato Machado, estávamos indo em direção ao automotivo quando vimos distante um homem, olhando para todas as direções como que querendo evitar outros olhos, passar às mãos de um outro o que parecia ser algum tipo de droga. 
 
Você pode perguntar agora: “Como esse colunista sabe que era alguma droga, já que ele não estava perto?” Elementar meu caro ou minha cara. A forma como foi entregue e as atitudes de ambos que se esprimiam entre os veículos estacionados deram justamente esta resposta à nossa mente atenta: venda de droga em plena luz do dia, ou melhor, no início da tarde.
 
Que refelxões desses fatos localizados podem ser ligadas a problemas do Brasil contemporâneo? Fácil, infelizmente. A primeira reflexão é a de que acidentes automobilísticos poderiam ser atenuados se por acaso as rodovias mantidas pelos poderes públicos e privados fossem bem cuidadas, sem esquecer-se de ter a contribuição da prudência dos motoristas.
 
A segunda refelxão é mais complexa, devido sabermos da abrangência das drogas em quaisquer lugares brasileiros onde circulo dinheiro, da tímida atuação das autoridades para punir o tráfico e de parte da população que diz ser contra, porém não consegue deixar de fumar sua maconha, cheirar sua cocaína ou usar seu crack. 
 
Dois episódios diferentes e tão próximos de cada um de nós, baianos e brasileiros. Que “inferno” de Dante!
 
Jorge Amorim
 
Licenciado em história pela Universidade do Estado da Bahia, campus Santo Antonio de Jesus, e mestre em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, Portugal. É autor do livro “Entre a Serra e a Vargem: estudo da história e das culturas de Varzedo nos séculos XIX e XX”, além de atualmente ser professor da Faculdade de Ciências Educacionais. E-mail: [email protected].